Texto: Monique Garcia
Você já parou para pensar como é surfar sem ouvir o barulho das ondas?
Para abrir com chave de ouro nosso site eu trouxe esse convidado que nos chama a refletir nosso dia a dia, nossa sociedade e nossos privilégios.
Conheci o Ramarone através do Instagram. Sendo um pouco repetitiva, pois já falei isso algumas vezes por aí, tenho muito a agradecer pela invenção dessa mídia social, ela me fez crescer no mundo do longobard e me apresentou muitos novos amigos. Certo dia, passando pelos stories vi um vídeo do Ramarone ensinando uma frase em Libras, só ali me dei conta de que ele é uma pessoa surda. Algum tempo depois nos conhecemos pessoalmente e combinamos um rolê de skate aqui por Itapirubá, foi coisa rápida, mas ali já selamos nossa amizade.
Adoro pessoas que me fazem refletir e sair da “bolha”. Esse site caiu muito bem no momento em que pensei em convidar o Ramarone para o Podcast. Já se deram conta de que um Podcast não é acessível para pessoa surda? Desta forma, ele foi a primeira pessoa que pensei em contar a história aqui para tentar mostrar um pouco da sua vida e de como o surfe e a acessibilidade são tão importantes para ele e como a falta desse sentido afeta (ou não) no mar.
Como foi o seu início no surfe?
Eu comecei a surfar no ano de 1994, com 11 anos de idade, quando minha mãe de coração deu-me de presente, num Natal, uma prancha pequena de surfe, tamanho 6’0.
Por que escolheu surfar de longboard?
Porque eu surfava com pranchas menores e tive alguns acidentes, nada muito grave, mas o suficiente para me fazer repensar, queria muito continuar surfando, mas não me expondo a tantos riscos. Parei de surfar por mais ou menos por 2 anos, então vendi minha prancha tamanho 5’11 e comprei a prancha longboard 9’6. Voltei a surfar com a longboard em novembro de 2020 e me apaixonei por ela, tamanha a estabilidade, segurança e paz que ela me proporciona.
Você encontra alguma dificuldade quando está surfando por ser surdo?
Não, surfo normalmente abstraio tudo através do visual, a falta de audição não me atrapalha em nada para surfar.
Conhece o surfista Carlos Mudinho? Já teve contato com ele?
Sim, conheço o Carlos, somos muito amigos até hoje mantemos contato, já surfei com ele num campeonato, categoria surdos, com pranchas pequenas, em Saquarema, RJ, em novembro de 2008, inclusive na época, fiquei hospedado na casa dele. A comunicação com ele flui naturalmente, ele é meu ídolo, aprendo muito com ele, ele me aconselha bastante, já tirou várias dúvidas minhas e não só em relação ao surfe, mas como somos amigos e ele bem mais velho, mais experiente na vida, me aconselha bastante.
Conhece outros surfistas surdos?
Sim, vários e em diferente cidades e estados.
Já participou ou pretende participar de algum evento de longboard?
Já participei no ano de 2018, em Imbituba, SC, de um campeonato de longoboard com uma prancha emprestada de um amigo, pois na época, eu ainda não tinha a minha prancha. Fui campeão da longoboard Surdos e com minha prancha 5’11, fui terceiro na Open Surdos do circuito de surf Vila Nova Classic Amador.
Em fevereiro desse ano, eu estava inscrito num outro campeonato de longboard, em Garopaba, SC, mas devido a situação de agravamento da pandemia, foi cancelado e devolvido o dinheiro das inscrições. Mas com certeza, pretendo participar quando a pandemia passar.
O que o surfe é para você e o quão importante é para sua vida?
Pra mim surf significa paz, alegria… é muito importante para o meu bem-estar, para a minha saúde física, mental e social. Através do surf amplio meus laços de amizade, sem falar que mantenho a forma surfando.
O que você acha que poderia melhorar em questão de acessibilidade à pessoa surda no mundo do surfe?
Poderia melhorar a barreira da comunicação, com tradutores e intérpretes nos campeonatos, também que as regras que são anunciadas auditivamente, que fossem adaptadas para o visual com cores, placas, etc. E também que os ouvintes tivessem mais empatia pelos surdos, e não houvesse qualquer tipo de preconceito mesmo que leve, ou seja, mais boa vontade no incentivo de participação dos surdos nos campeonatos. E por último que houvesse apoio/ patrocínio também aos surdos.
Fale sobre sua experiência no surf.
Já competi em vários campeonatos de surf com ouvintes e campeonatos com surdos. Tenho vários troféus, como mostro nas fotos, que obtive na categoria dos surdos. Também já trabalhei como voluntário em campeonatos de surf, aqui em Torres, minha cidade natal, pois meu primo era presidente da ASPOA- Associação de Surf de Porto Alegre.
“Eu gostaria ainda de dizer que, embaixo da água, nós surdos e ouvintes ficamos em grau de comunicação igual, ou seja, temos que nos comunicar através do visual, havendo muita empatia e troca nessa experiência.”
Autor: Monique Garcia