13 de julho de 2020

#07 A vida no mar com Ayllar Cinti

#07 NO AR! Hoje estamos estreando um novo quadro em nosso Podcast que se chama A VIDA NO MAR e convidamos nossa amiga @ayllar para abrir esse quadro novo onde focaremos em todo lifestyle que envolve o surf longboard em si com objetivo de conectar o ouvinte com o mar de corpo e alma!

Carioca, 25 anos, Ayllar Cinti é hoje um dos grandes nomes do longboard feminino no país. Em entrevista, revela a história de sua carreira e os desafios enfrentados por mulheres dentro do surfe. “São muitas questões, mas acredito estar usando a minha voz dentro do surfe para ajudar na transformação.”, afirmou a atleta.

 

Conte sobre sua carreira. Com quantos anos você começou a competir profissionalmente? 

”Eu cresci no subúrbio do Rio, em Bangú, um lugar um pouco distante da praia, uma hora de carro. É um lugar com muita natureza, mas que não proporciona a mesma qualidade de vida de estar perto da praia. Então, minha mãe decidiu alugar um lugar no Recreio. Comecei a me identificar com coisas que eu não tinha acesso antes, comecei a fazer escolinha de bodyboard, fiz amigos nesse meio, isso com menos de 15 anos. Nesse tempo, meu padrasto surfava e ele me deu uma prancha. Quando vi, já estava participando de vários campeonatos, inclusive, com homens. Eu comecei a competir quando tinha uns 16 anos, por aí, campeonato amador mesmo. Mas gostei muito, então, comecei a competir em circuitos do Recreio, fui campeã da etapa júnior 3 vezes, passei a competir com mais meninas. Em 2017 eu estava competindo com muita frequência, então, decidi que iria competir um brasileiro profissional que mudou a minha vida. Nessa época, pedi demissão do meu emprego e faltei na faculdade pra poder viajar, fiz uma ‘vaquinha’ na internet para conseguir a grana para competir, sem patrocínio, sem nada. Quando cheguei em Recife para o campeonato brasileiro, cheguei doente de tão nervosa que eu estava, fui para o hospital, fiquei passando mal durante o evento. Mesmo assim, passei as baterias, já estava agradecendo ao mundo por ter chegado em uma final de profissional na primeira vez que eu saí de casa pra competir e, então, faltando 30 segundos para o fim da bateria, eu consegui pegar uma onda e fui campeã brasileira em 2017. Foi a partir daí que eu ganhei vaga para representar o Brasil no mundial, no ISA GAMES, no Pan Americano… Assim, as portas foram se abrindo, os patrocinadores e o suporte chegando, e comecei a realmente entender que aquilo seria meu trabalho. E hoje, sou feliz em dizer que eu realmente vivo do surfe. Faz 6 anos que eu estou competindo profissionalmente e pretendo ir muito longe com tudo isso, o surfe me transformou como pessoa.”

Campeã brasileira de longboard, Recife, 2017. Foto: arquivo pessoal.

Campeã brasileira de longboard, Recife, 2017. Foto: arquivo pessoal.

Quais foram as principais dificuldades enfrentadas enquanto amadora?  

”Certamente, a questão do suporte e da credibilidade. Quando você está construindo, por mais que você seja uma atleta que está se sobressaindo, você ainda está iniciando. Existe um certo abismo no olhar entre um atleta profissional para um atleta amador. Era só a minha família ajudando e eu realmente correndo atrás de tudo. Além disso, as competições entre homens, porque não tinha a nova geração de mulheres quando eu estava começando.”   

 

Na época em que iniciou a competir, havia alguma mulher que te inspirou?

“Quando percebi que essa seria a minha vida, comecei a me dedicar mais. Mas desde quando eu estava começando, a pessoa que mais me inspirou foi a Chloé Calmon. Hoje ela é uma grande amiga, inclusive, fomos competir na China, representamos o Brasil juntas e foi incrível, aprendi muito. Nessa época, existia aquilo de ter uma referência masculina, até porque via poucas mulheres surfando. Hoje em dia, acredito que eu faça parte do trabalho de formar, para quem está chegando e para quem já está há muito tempo, um espaço que compreenda que nós mulheres somos capazes de fazer igual ou melhor.”

Ayllar Cinti e Chloé Calmon no ISA Games, China, 2018. Foto: arquivo pessoal.

Ayllar Cinti e Chloé Calmon no ISA Games, China, 2018. Foto: arquivo pessoal.

 

A pandemia te afetou de alguma forma na questão dos patrocínios?

“O ano em que a pandemia começou foi o melhor de toda a minha carreira, pois fechei meu primeiro patrocínio. Passei os dois últimos anos em uma temporada do Ceará, trabalhando muito, dando aulas e fazendo os contatos que precisava para conseguir alcançar o que queria. Também recebi um troféu em nome da marca que me patrocina, em uma premiação na qual a maioria das pessoas que receberam troféus eram homens. Acredito que somente três meninas subiram no pódio para serem premiadas. Então, apesar de estar vivendo uma pandemia, foram os dois anos que mais cresci em relação a suporte e patrocínio e, também, porque o surfe recebeu um outro olhar ao longo da pandemia, por ser no mar, em contato com a natureza.”

Campeã cearense na primeira vez que o circuito incluiu a categoria de longboard feminino, 2021. Foto: arquivo pessoal.

Campeã cearense na primeira vez que o circuito incluiu a categoria de longboard feminino, 2021. Foto: arquivo pessoal.

 

O que significa para você ter sido campeã brasileira? Como você acha que pode usar sua influência dentro do esporte para tentar mudar o cenário do surfe no Brasil?

“Significa acreditar, ter fé de que você consegue realizar algo e  dar um sentido para sua vida. Eu venho me moldando como pessoa e acho que isso é o mais especial: o quanto é transformador ser um atleta de ponta, estar na elite. Sobre a influência, tenho uma rede social com engajamento muito bom, na qual várias pessoas me acompanham e recebo diariamente mensagens de pessoas que se inspiram no meu trabalho e na minha forma de ser e compartilhar o meu dia-a-dia. É muito inspirador saber que inspiro, é o que dá mais força e motivação para continuar. Eu também comecei a gostar muito de lecionar e ser instrutora. Já dei aula para crianças, pcds,  clínicas de surfe e imersão. Toda vez que me envolvo em um projeto, tento olhar para essas questões sociais relacionadas ao espaço da mulher no esporte, principalmente, no surfe, que tende a ser um esporte masculinizado. Em campeonatos, quando temos debates e espaços para conversar eu levanto esses pontos importantes sobre o cenário do esporte.”

 

Como você, atleta profissional, enxerga o desafio do machismo?  

“O machismo é realmente gritante no surfe. Temos que lidar com questões muito esgotantes, desde os treinos até as competições e em vários momentos diferentes. O fato de estar uniformizada de biquíni, leva a gente a passar por vários momentos de assédio todos os dias, dentro e fora da água. Eu já me calei muito e toda vez que nos calamos, guardamos questões pesadas que podem afetar nossa sanidade mental. O olhar do homem sobre a mulher em tudo que ela faz, desde como ela se comporta até suas decisões, é uma questão delicada, mas que tento trabalhar com muita calma e responsabilidade. Sempre tentando não partir para um falar agressivo,  mas muitas vezes temos que nos posicionar de forma mais ríspida.” 

Praia da Macumba. Foto: Felipe Ditadi.

Praia da Macumba. Foto: Felipe Ditadi.

Quais conselhos você daria para uma mulher que quer começar a praticar o esporte? Como enfrentar o receio de estar em um ambiente que acolhe tão mal as mulheres?

“Eu diria para começar a surfar logo, porque é muito transformador. Seja na área do lazer ou do profissional, todo dia te mostra novas perspectivas. Hoje o cenário é muito diferente do que quando eu comecei, tem muitas mulheres, muitos grupos que ensinam a surfar e muito espaço para esse debate. Não se acanhe e vá surfar, acredite e não tenha vergonha de pedir ajuda. Para enfrentar o receio, é preciso trabalhar como mulher para que quando acontecer alguma situação, você possa se posicionar, enquanto a gente não consegue banir de vez esse tipo de acontecimento. Converse com outras mulheres e compartilhe com o mundo se houver a necessidade, nunca deixe de se posicionar e vá em frente. Nós que já vivemos nesse cenário há muito tempo estamos batalhando para fazer com que esse seja um ambiente mais acolhedor.” 

O objetivo deste quadro é justamente captar, conectar e incluir todos vocês nessa vibe irada que é o surf. Surfar não é somente remar e dropar, escutem nosso podcast, compartilhem com os amigos do outside e recomendem nosso canal. Aloha!

Backyard – longboarder Ayllar Cinti from annaveronica on Vimeo.

Autor: Mariana Cury

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